Por que a direita anda mais raivosa do
que nunca?
Os barões das grandes corporações
midiáticas perceberam que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso
uma ampla opinião pública direitista.
Antonio Lassance (*)
Faz tempo que
as campanhas eleitorais são espetáculos dantescos, movidos por baixarias sem
limites. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral fica muitas vezes cuidando da
perfumaria, os dinossauros reinam.
Mas há algo
de novo nesta campanha.
A começar do
fato de que boa parte da perversidade de campanha seguia, antes, o seguinte
roteiro: denúncias na imprensa, primeiro em jornais e revistas, que depois se
propagavam na tevê e no rádio e, finalmente, ganhavam a rua pela ação dos cabos
eleitorais.
Agora, o roteiro
é: denúncias pela imprensa, mas divulgadas primeiro via internet; propagação
pelas redes sociais; repetição pela tevê e pelo rádio e, por último, sua
consolidação pelo colunismo e editorialismo da imprensa tradicional.
Embora essa
imprensa ainda seja, normalmente, a dona da informação, seu impacto é cada vez
menos medido pela audiência do próprio meio - que anda em declínio em
praticamente todos os veículos tradicionais - e mais pela sua capacidade de
propagação pela internet - blogs, redes sociais e canais de vídeo,
principalmente pelo Youtube. E a versão que se propaga da notícia acaba sendo
tão ou mais importante do que a notícia em si.
Antes, as
pesquisas de opinião calibravam os rumos das campanhas. Nesta eleição, a
internet é quem tende a ditar o ritmo. As pesquisas vão servir para aferir,
tardiamente, o impacto de alguns assuntos que ganharam peso na guerrilha
virtual.
Antes, o
trabalho de amaldiçoar pra valer os adversários políticos era feito pelos cabos
eleitorais que batiam de porta em porta. Agora, os cabos eleitorais que caçam
votos perambulam pelos portais de internet, pelos canais de vídeo e entram nos
endereços dos eleitores pelas redes sociais.
Uma outra
diferença, talvez tão decisiva quanto essa, é que a direita resolveu aparecer.
Antes, o discurso da direita era de que não existia mais esse negócio de
"direita x esquerda".
A direita,
finalmente, saiu do armário e anda mais raivosa do que nunca. Em parte, a raiva
vem do medo de que, talvez, ela tenha perdido o jeito de ganhar eleições e de
influenciar os partidos.
Por outro
lado, a direita imagina que a atual campanha petista está mais vulnerável que
em outras épocas. A raiva é explicada, nesse aspecto, pelo espírito de "é
agora ou nunca".
Os
bombardeios midiáticos raivosos têm assumido feições mais pronunciadamente
ideológicas.
Ao contrário
de outras eleições, os ataques têm não só mentiras, xingamentos e destemperos
verbais de todos os tipos. Têm uma cara de pensamento de direita.
Querem não
apenas desbancar adversários. Querem demarcar um campo.
Não é só
raiva contra um partido. É ódio de classe contra tudo e contra todos os que se
beneficiam (e nem tanto quanto deveriam) de algumas das políticas
governamentais.
É ódio contra
sindicatos de trabalhadores, organizações comunitárias, movimentos de excluídos
(Sem Terra, Sem Teto), grupos em defesa de minorias e de direitos humanos que
priorizam a crítica a privilégios sociais e aos desníveis socioeconômicos mais
profundos.
A mídia
direitista tem desempenhado um papel central. Sua principal missão é orientar
os ataques para que eles tenham consequência política e ideológica no seio da
sociedade brasileira.
Como sempre,
a mídia é diretamente responsável por articular atores dispersos e colocá-los
em evidência, conforme uma pauta predeterminada.
Embora seja
uma característica recorrente, no Brasil, a mídia tradicional comportar-se como
partido de oposição, nos últimos anos ela parece seguir uma nova estratégia.
Os barões das
grandes corporações midiáticas brasileiras, com a ajuda de seus ideólogos,
perceberam que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso formar uma
ampla opinião pública direitista.
Antes mesmo
de cobrar que os partidos se comportem e assumam o viés de direita, é preciso
haver uma base social que os obrigue a agir enquanto tal.
A mídia
tradicional entendeu que os partidos oposicionistas são erráticos em seus
programas e na sua linha política não por falta de conservadorismo de suas
principais lideranças, mas pela ausência de apelo social em sua pregação.
Em função disso, coisas como o Instituto Millenium se tornaram de grande
importância. O Millenium tem, entre seus mantenedores e parceiros, a Abert
(controlada pelas organizações Globo) e os grupos Abril, RBS e Estadão. O
instituto é também sustentado por outras grandes empresas, como a Gerdau, a
Suzano e o Bank of America.
O Millenium
tenta fazer o amálgama entre mídia, partidos e especialistas conservadores para
gerar um programa direitista consistente, politicamente atraente e socialmente
aderente.
O colunismo
midiático, em todas as suas frentes, é outro espaço feito sob medida para
juntar jornalistas, especialistas e lideranças partidárias dedicadas a reforçar
alguns interesses contrariados por algumas políticas públicas criadas nos
últimos 12 anos.
A estratégia
midiática de reinvenção da direita brasileira representa, no fundo, uma
tentativa desesperada e consciente dessa mesma mídia de reposicionar-se nas
relações de poder, diante da ameaça de novos canais de comunicação e de novos
atores que ganharam grande repercussão na opinião pública.
Com seu
declínio econômico e o fim da aura de fonte primordial da informação, o veneno
em seus anéis tornou-se talvez seu último trunfo no jogo político.
(*) Antonio
Lassance é cientista político.
Créditos da
foto: Charge de Vitor Teixeira
Reproduzido
de Carta
Maior
19 jun 2014
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