Em defesa da democratização dos meios
de comunicação
Entrevista de Venício A. de Lima a
Cláudia Nonato
Observatório da Imprensa
Edição 793 em 08 abr 2014
Trecho
Esse é um dos principais motivos para
não termos uma regulação de mídia no Brasil?
V.A.L. – Não temos porque existe um
círculo vicioso. Temos um sistema de mídia oligopolizado, que é corruptor da
opinião pública, porque privatiza o acesso e exclui do debate público a maioria
da população. Com isso, colabora para esse desequilíbrio na representação da
sociedade civil no parlamento; boa parte dos parlamentares, historicamente
eleitos, está direta ou indiretamente envolvida com as concessões de
radiodifusão e, portanto, com os interesses dos grandes grupos, porque são a
eles afiliados ou diretamente controladores de concessões. E isso se torna um
círculo vicioso, porque os interesses privados dos parlamentares coincidem,
muitas vezes com os interesses dos grandes grupos, e isso realimenta um sistema
que é excludente, oligopolizado, e impede que se altere um processo que
beneficia quem já está nele. É um negócio impressionante. E esse círculo
vicioso não é quebrado.
Isso
aconteceu no processo Constituinte de 1987/88, não é novidade no Brasil. É um
processo, que vem ocorrendo já há muito tempo e não se consegue quebrá-lo,
rompê-lo. Nós celebramos recentemente os 25 anos da Constituição, e o capítulo
V do título VIII da Comunicação Social [ver
aqui] praticamente não foi regulamentado. Existe, inclusive, uma ADO, Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que o professor Fábio Konder
Comparato elaborou, e está no Supremo Tribunal Federal, pedindo que interceda
para que o Congresso regule as normas da Constituição, que estão lá e não são
regulamentadas.
Por que a regulação dos meios de
comunicação não é debatida pela grande mídia?
V.A.L. – A mídia brasileira não discute
a si mesma. Interessante, porque no processo argentino, por exemplo, como o
domínio do grupo Clarín era tão grande, eles fizeram inclusive campanhas,
usando argumentos que são repetidos aqui. Os mesmos argumentos, o do controle
remoto, o de que as novas tecnologias fazem com que toda discussão sobre
propriedade cruzada já não faça sentido, argumento que inclusive o ministro das
Comunicações tem repetido aqui. A mesma coisa, só que no Brasil não se faz a
discussão, não se faz o debate publicamente. Temos avançado porque as formas
alternativas de acesso a alguma forma de espaço público – sites, blogs, redes,
etc. – têm possibilitado um pouco isso.
O que a regulação da mídia vai trazer
de benefícios para o cidadão comum?
V.A.L. – Essa é uma questão muito
interessante. Recentemente escrevi uma introdução para o livro do Pedrinho
Guareschi [GUARESCHI, Pedrinho A. O direito humano à comunicação. Pela
democratização da mídia. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013], em que eu falo
exatamente isso. Uma das dificuldades daqueles que lutam pela liberdade de
expressão é traduzir para o conjunto da população essas questões de
Comunicação, de tal forma que as pessoas compreendam que o direito à
Comunicação, o acesso ao debate público, etc., é algo que tem a ver com o
cotidiano de cada um de nós, que nos afeta no dia a dia. É muito difícil fazer
isso, mas existem várias formas de mostrar esses benefícios. Vou começar com um
exemplo simples.
Está na Constituição, no artigo 221, que a programação de
rádio e televisão deve se orientar por alguns princípios. Um deles é a questão
da produção regional. De priorizar a produção regional, feita por cultura
nacional, educativa, e a produção independente. Imagine, num país do tamanho do
nosso, regularizar e disciplinar, por lei, um princípio como esse. Em cada
Estado ou região brasileira, ter estímulo para produção cultural, jornalística,
educativa, local, feita por produção independente local. Isso tem repercussões
na formação profissional, no mercado de trabalho, na economia, porque, por
exemplo, a produção independente vai gerar emprego, terá uma cadeia produtiva
que será criada, incentivada. Isso terá efeito em longo prazo até na identidade
das pessoas, que vão se ver representadas na programação de rádio e televisão.
Isso hoje só acontece em relação aos excluídos, aos pobres, aos miseráveis, que
são motivo de chacota nos programas policiais locais. Hoje há uma consciência
muito maior em relação a isso, mas as implicações da regulação, do que já está
na Constituição, seriam imensas. Imagine, por exemplo, a questão da programação
dirigida às crianças em relação, por exemplo, à alimentação infantil. Há algum
tempo houve uma regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
que tentava disciplinar a propaganda de alimentos que tinham excesso de gordura
e açúcar, etc., e a Associação brasileira de empresas produtoras de alimentos
entrou na Justiça, alegando que aquilo a ANVISA não podia regulamentar, porque
era norma constitucional, que tinha que ser regulamentada por lei complementar.
E ganhou.
Na
Lei de Meios argentina, por exemplo, criou-se inclusive um organismo para
cuidar especificamente dessa questão, como existe no mundo inteiro. Isso é que
nós não conseguimos fazer: uma discussão para mostrar a quem tem filho pequeno,
questões desse tipo. A questão do parágrafo V, do artigo 220, que fala que não
pode ter oligopólio, nem monopólio, imagine que, também na lei argentina, há a
reserva de 33% das concessões de rádios e televisão para sindicatos,
universidades, organizações de povos originários, cooperativas, igrejas, uma
alteração desse tipo muda não só o cenário da Comunicação, mas muda o mercado
de trabalho, as profissões, a formação profissional, muda muita coisa na
sociedade. No entanto, isso é muito difícil de as pessoas perceberem.
Sobretudo, quando se naturaliza um processo como se ele fosse único, e não discute
as alternativas que se pode ter para um processo que já está aí há muito tempo.
Então, os benefícios para a população são imensos, só que muitas vezes é
difícil mostrá-los.
Texto completo clicando aqui.
Reproduzido da revista Comunicação &
Educação
V.19, n.1 (jan-jun 2014) e aqui.
Departamento de
Comunicações e Artes da ECA-USP
Também publicado em Observatório
da Imprensa
Edição
793 em 08 abr 2014
Leia também:
"A comunicação como direito fundamental", por Venício A. de Lima (29/10/2013) no Observatório da Imprensa), clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário